quarta-feira, 6 de julho de 2011

O “CHOQUE DE ORDEM”: CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA E INFORMALIDADE

A capital do Rio de Janeiro vem sofrendo grandes transformações urbanas. Neste trabalho remeti-me à relação entre o trabalho informal no Rio de Janeiro e a problematizarão do “Choque de Ordem” como política de repressão. Coube-me abordar uma discussão acerca da criminalização da pobreza no que tange a população inserida na informalidade.
O Choque de Ordem se configura como uma política de governo, promovido pelo prefeito Eduardo Paes, com operações realizadas pela Secretaria de Ordem Pública que possui como principal objetivo estabelecer a “ordem pública” à cidade do Rio de Janeiro. Essa perspectiva de ação além de propor o desmantelamento da “desordem urbana”, se destina ao combate aos “pequenos delitos” para o melhoramento da “qualidade de vida” na Cidade. Ou seja, as ações propostas no “Choque de Ordem” ambicionam o combate à:
“desordem urbana [que] é o grande catalisador da sensação de insegurança pública e a geradora das condições propiciadoras à prática de crimes, de forma geral. Como uma coisa leva a outra, essas situações banem as pessoas e os bons princípios das ruas, contribuindo para a degeneração, desocupação desses logradouros e a redução das atividades econômicas. (PORTAL DA PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO).”
De acordo com o pensamento de Itikawa (2006) o poder público municipal, tende a ignorar as relações entre comércio de rua e as atividades e fluxos urbanos, utilizando-se a ênfase na repressão para exercer o controle. Cabe dizer, que o crescimento da informalidade situa-se no contexto da cidade, à medida que faz parte da dinâmica urbana e não representa a exclusão desses atores, pois estão inseridos no sistema econômico e social vigente, em que o Estado se desresponsabiliza de prover a inserção no mercado formal, no entanto, utiliza-se de meios repressores para com esta população.
A política repressiva do “Choque de Ordem” tem tido grande enfoque na agenda pública devido, sobretudo, aos interesses da mídia e da sociedade em geral que legitimam essas ações em prol de uma sensação de segurança e de embelezamento da cidade, em que se propõe retirar os trabalhadores informais que “enfeiam” a paisagem da dita “cidade maravilhosa”, além do fato desses trabalhadores serem alvos de estigma quando são considerados como perigosos como potenciais geradores da violência e desvirtuadores da ordem.
A respeito da legitimação dessas ações por parte da mídia, pautei-me em um estudo sobre análise da criminalização da pobreza e “Choque de Ordem” a partir de algumas capas do jornal O Globo nos primeiros cem dias do Governo Eduardo Paes, e pude observar que esse veículo midiático não se referiu a estas operações como nocivas aos trabalhadores informais e pobres, ao contrário, afirmavam que “O Choque de Ordem é uma opção correta. Mas precisa ser mantido como política permanente” (LAIGNIER e FORTES, 2010, p.66). Ainda de acordo com a reflexão dos autores:
do ponto de vista geográfico e econômico, cabe ressaltar que a esmagadora maioria das chamadas e noticias sobre ‘o Choque de Ordem’ (bem como denuncias de situações que, na visão do jornal, configuravam desordem e necessitavam de intervenção da prefeitura) dizia respeito aos bairros situados na Zona Sul, Tijuca, Centro e orla da Zona Oeste (Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes), áreas que concentram boa parte da classe média e alta da cidade (LAIGNIER e FORTES, 2010, p. 67).
Penso que a mídia, legitimada pela sociedade civil em geral, entende que a “‘desordem’ causada por camelôs (...) vendedores ambulantes, moradores de favelas, entre outros, nada tem a ver com a ausência de garantia, por parte do Estado, de direitos como moradia, trabalho, saneamento básico e escola pública em tempo integral (LAIGNIER e FORTES, 2010, p. 67).” Mas sim, reforçam a cultura da necessidade “eliminar, recolher, limpar, prender, multar, derrubar, demolir, expulsar, reprimir, murar e cercar (...) [onde] caracterizou segmentos da pobreza como objetos (e não sujeitos) (LAIGNIER e FORTES, 2010, p. 75)”.
Esse estigma sofrido geralmente pela população favelada, pobre, camelô e ambulantes, remete ao século passado, em que se desenvolveu uma “cultura” de segregação e repressão a esta população. Esse retrocesso histórico aponta para a política de embelezamento e higienismo de Passos, porém, aparece agora na cidade do Rio de Janeiro em outro contexto urbano, com outra roupagem, possuindo suas especificidades, contudo o objetivo central permanece o mesmo. Ou seja, se anteriormente era proposto que o Rio de Janeiro fosse o retrato do novo Brasil, agora tem-se um objetivo específico para receber grandes eventos de escala internacional, como Copa do Mundo e Olimpíadas, a fim de mostrar o desenvolvimento do país buscando e reafirmando o título de “cidade maravilhosa”.
Desse modo, o “ciclo virtuoso” que a Cidade irá passar nos próximos anos legitima a perspectiva de esconder as mazelas que encontram-se na sociedade. Para tal, as ações do “Choque de Ordem” correspondem a uma expectativa de embelezar e higienizar o Rio de Janeiro, onde não é de interesse público identificar a Cidade e o país (afinal somos o retrato do novo Brasil) com a pobreza e informalidade existentes na dinâmica urbana brasileira.
As intervenções do Governo carioca têm causado indignação nos trabalhadores informais, pois os mesmos se perguntam “– O que vai acontecer com a gente, (...) ele (prefeito) está só vendo o lado do bacana. Trabalhador informal”; “- Se agente não puder trabalhar, como vamos sustentar nossas famílias? Se roubar, vai preso. Eles tem que dar um jeito de nos deixar trabalhar. Barraqueiro - trabalhador informal.” A resistência dos trabalhadores fornece evidências claras que os pobres são tidos como indesejáveis nos espaços públicos mais evidentes e turísticos, visto que é de interesse que esta população fique segregada nas favelas e nos bairros distantes, sem interferir na paisagem “harmônica”, “segura” e “desenvolvida” da cidade.
Portanto, compreendo que as intervenções por parte do Estado no que se referem ao trabalho informal, explicita a condição de vulnerabilidade com a qual os trabalhadores favelados sobrevivem, o medo da repressão e, em contrapartida, a ausência ou insuficiência de ações e políticas públicas que forneçam aos mesmos o exercício dos direitos de cidadania, no âmbito da proteção social, são os principais fatores que reforçam a idéia da existência do “investimento maciço no controle, monitoramento e repressão, em detrimento de políticas de inclusão” (ITIKAWA, 2006, p.9).

Por Natieli Muniz

REFERÊNCIAS

http://www.rio.rj.gov.br, acesso em 17/05/2011.

ITIKAWA, Luciana. Vulnerabilidades do Trabalho Informal de Rua: violência, corrupção e clientelismo. São Paulo em Perspectiva, V. 20, nº 1, p.136-147, jan-mar/2006.

LAIGNIER, Pablo; FORTES, Rafael. A criminalização da pobreza sob o signo do “Choque de Ordem”: uma análise dos primeiros cem dias do governo Eduardo Paes a partir das capas de O Globo. In Comunicação e Sociedade, Ano 31, nº53, p. 53-78, jan-jun/2010

Um comentário:

  1. Os autores trabalhados na disciplina poderiam ter contribuído para sua análise.

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